Apontamentos para um discurso feminista
Mudei de terapeuta e o que eu mais temia aconteceu: tive que começar tudo de novo. Hoje foi a 3ª. Sessão e quando eu dei por mim, lá estava eu discutindo a minha relação com o masculino, o lugar do masculino e do feminino “na minha vida” (o que significa uma combinação de “na minha cabeça” com “neste mundo”), e por consequência, a minha relação com os homens e mulheres da minha vida, o meu pai, minha mãe, meu irmão, o namorado... Saí de lá pensando que esse assunto me aborreceu a vida inteira.
Na adolescência eu era a filha “revolucionária” de um pai que tinha o rei na barriga, a irmã encrenqueira de um irmão que tinha um reizinho na barriga, mas que só era capaz de definir os meus ataques de feminismo com a frase “Camille Paglia baixou em mim” porque o soberano do lar pagou a minha educação até níveis estratosféricos para uma princesinha da sociedade brasileira. Dá pra ver que não é simples.
Na teoria Junguiana este embate entre o lugar do homem e da mulher na sociedade reflete uma disputa que acontece cotidianamente dentro de nossa psiquê durante o processo de individuação. Para Jung todos os seres humanos têm em si características que socialmente se convencionou serem pertinentes a este ou àquele sexo, mas que são do ponto de vista psicológico igualmente importantes. Sendo ambos os tipos necessários para a formação de uma personalidade completa, Jung demonstra como uma das maiores dificuldades do processo de amadurecimento é o trazer das profundezas inconscientes aquelas partes de nós que são tradicionalmente tidas como pertencentes ao outro sexo, e integrá-las à consciência. Não obstante a dificuldade envolvida neste processo, Jung mostra como ele acontece inevitavelmente, como que movido por uma parte do Self que deseja e impulsiona este auto-completar-se. Para Jung, o apaixonar-se é ver no outro as nossas próprias características inconscientes projetadas, e é por isso que se diz procurar no amor alguém que nos “complete”
Hoje em dia, com quase 30 anos e ainda solteira - por opção -, mas ainda acreditando que vai chegar o momento em que eu vou encontrar o cara que vai me “completar” mas não vai me atazanar - porque eu sou brasileira e não desisto nunca... rsss – eu olho em volta procurando provas, ou no mínimo indícios, de que esse cara existe, sabe quem é a Camille Paglia, e não é gay. Vejamos.
No final de semana encontrei com um casal de amigos que têm mais ou menos a minha idade e que estão casados há alguns poucos anos. Ela estava comentando como, ao tentar operacionalizar o casamento, eles acharam mais fácil tratar tudo como se fosse uma empresa, e neste processo decidiram de comum acordo que seria mais lucrativo investir na profissão dele do que na dela. E eu respondi que é um pouco surpreendente como, depois de tantos anos de lutas feministas, de sutiãs queimados nas praças públicas, e de mulheres nas universidades, no âmbito do casamento, o que a gente conseguiu efetivamente foi tomar – agora de comum acordo – as mesmas decisões que eram impostas às nossas mães.
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Não sabe quem é a Camille Paglia? Pode começar por aqui:
http://en.wikipedia.org/wiki/Camille_Paglia
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Sei que hoje, neste contexto, eu me peguei ouvindo novamente um CD que eu rachei de ouvir no final da adolescência. O CD se chama “Tragic Kingdom” de uma banda chamada “No Doubt”. A vocalista, Gwen Stefani, tem o visual mais “mulher objeto” que se possa imaginar. Uma pin-up moderna, mistura de cheer-leader com Marlin Monroe, com os cabelos platinados e a boca vermelha, ela canta músicas altamente feministas, cheias de sarcasmo e ironia, num tom de voz irado, raivoso, muito agressivo. Me faz pensar em contradição, paradoxo, oxímoro. O que poderia ser mais adequado?
Aqui vai uma das músicas dela que eu mais gosto. Mando junto a tradução, que é pra facilitar. Adoro a frase em que ela canta, gritando raivosamente “Am I making myself...” e então num tom muito doce, “...clear?”:)
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Just A Girl
Take this pink ribbon off my eyes I'm exposed And it's no big surprise Don't you think I know Exactly where I stand ? This world is forcing me To hold your hand 'Cause I'm just a girl, little 'ol me Don't let me out of your sight I'm just a girl, all pretty and petite So don't let me have any rights Oh...I've had it up to here! The moment that I step outside So many reasons For me to run and hide I can't do the little things I hold so dear 'Cause it's all those little things That I fear
'Cause I'm just a girl I'd rather not be 'Cause they won't let me drive Late at night I'm just a girl, Guess I'm some kind of freak 'Cause they all sit and stare With their eyes I'm just a girl, Take a good look at me Just your typical prototype Oh...I've had it up to here! Oh...am I making myself clear?
I'm just a girl I'm just a girl in the world... That's all that you'll let me be! I'm just a girl, living in captivity Your rule of thumb Makes me worry some I'm just a girl, what's my destiny? What I've succumbed to Is making me numb I'm just a girl, my apologies What I've become is so burdensome I'm just a girl, lucky me Twiddle-dum there's no comparison
Oh...I've had it up to! Oh...I've had it up to!! Oh...I've had it up to here! | Só uma garota Tire esta fita rosa dos meus olhos Estou exposta, E isto não é novidade Você não acha que eu sei Exatamente onde estou ? Este mundo está me forçando A segurar a sua mão Porque eu sou só uma garota, coitadinha de mim Não me perca de vista Eu sou só uma garota, toda pequenininha e bonitinha Então não me deixe ter direitos Ah, eu estou por aqui com isso! No momento em que eu saio Tantas razões Para eu correr e me esconder Não posso fazer essas coisinhas das quais gosto tanto Pois são estas as coisinhas das quais tenho medo Porque eu sou só uma garota, e eu preferia não ser Porque eles não vão me deixar dirigir à noite Sou só uma garota Acho que sou algum tipo de anormal Pois eles todos sentam e me olham Com seus olhos Sou só uma garota Olhe bem pra mim Seu protótipo típico Ah, estou por aqui com isso! Ah, estou sendo clara ? Sou só uma garota Só uma garota no mundo... É só o que vc me permite ser! Só uma garota, vivendo numa prisão Suas regras Me deixam preocupada Sou só uma garota, qual meu destino ? Aquilo a que sucumbi está me deixando Anestesiada Só uma garota, me desculpe O que me tornei é tão pesaroso Só uma garota, sorte a minha Não tem comparação Ah, estou por aqui! Ah, estou por aqui! Ah, estou por aqui com isso! |
2 comments:
Olha Tati, eu te entendo...
Sou de uma familia na qual os homens ficaram com o intelecto e as mulheres com vida. E cá estou eu, juntando as duas coisas. Normal? Pra mim é. Pra eles é pavoroso.
Todo dia eu penso...coitado do meu pai..rs
Beijokas
Eu não posso te dizer que sei exatamente o que é isso... Conheço um pouco dessa história do Jung... Senti um pouco isso na pele qdo fazia terapia em Jaú... Faz sentido... Mas é meio esquisito... Essa história toda de equilíbrio é bem complicada... Já percebeu q qto mais simples, mais complexo? rssss....
Tá, fugi do assunto... Mas de fato eu acho que temos sorte de ter nascido nessa era. De estar vivendo alguns avanços. Algumas aspirações à igualdade... Ao menos podemos ter nossos empregos! =P Qto a esse negócio de escolhermos o mesmo que foi imposto ás nossas mães... Pior que é. =P
Beijão menina... Desculpa não ter te ligado. Chegeui tarde, e hj o dia foi esquisito (num bom sentido). Mas te vejo amanhã!
Beijão!
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